Por Adroaldo Agner Rosa Neto

A convivência em sociedade acaba, inevitavelmente, trazendo danos. E isso nem mesmo significa que há, sempre, intenção de alguém em prejudicar outrem. Fato é que os danos acontecem no dia-a-dia da vida de relação. É a batida no trânsito, o produto estragado, o serviço mal feito e tantas outras situações vivenciadas por nós mesmos, ou por pessoas de nosso círculo, nas quais claramente ocorre um prejuízo.

O dinamismo cada vez maior da sociedade acaba ampliando isso. Nos últimos duzentos anos, as trocas entre os indivíduos, em todos os campos da experiência humana, tornaram-se mais rápidas. O intercâmbio de informações, bens e experiências acontece em velocidades maiores a cada dia. Por isso, coisas que antes eram tidas como imutáveis e atemporais vão ficando obsoletas. Abrem-se mares de novas possibilidades num piscar de olhos. Da mesma forma, novos danos vão surgindo.

O Direito busca, então, resolver esses prejuízos que acabam se impondo em nossas vidas. É a chamada responsabilidade civil que se dedicada praticamente só a isso. O desenvolvimento da responsabilidade civil, grosso modo, pode ser compreendido, justamente, como a da ampliação cada vez maior daquilo que se considera dano indenizável. Em outras palavras, daquelas situações que a Lei e os Tribunais consideram como um prejuízo que pode ser reparado. 

Fugindo um pouco do rigorismo técnico, podemos dizer que, inicialmente, a responsabilidade civil tratava só dos danos materiais. Depois se começou a indenizar os chamados danos morais. O leque dos danos ressarcíveis foi, paulatinamente, aumentando: danos estéticos, danos pela perda de uma chance, danos existenciais, danos sociais e vários outros. Uma dessas novas categorias é a do dano pela privação do uso

A ideia de um dano pela privação do uso, ou seja, a ideia de considerar como prejuízo a impossibilidade de utilização de um determinado bem por determinado período de tempo foi concebida inicialmente na Alemanha. O caso paradigma lá, sobre o tema, data do início dos anos 1960. A situação era a seguinte: um casal participaria de um cruzeiro de luxo; porém, por atraso culposo de agentes alfandegários, a bagagem deles não foi embarcada no navio a tempo. Eles passaram a viagem toda apenas com a roupa do corpo, impedidos de desfrutar plenamente da vida social a bordo. Na volta, o casal acabou propondo uma ação, na qual o Tribunal competente entendeu que eles foram impedidos de aproveitar a satisfação desejada e obtida pelo cruzeiro, por não terem sua bagagem e em razão disso deveriam ser indenizados. Com o tempo, esse raciocínio foi sendo ampliado e aplicado a outras situações, como a perda temporária da possibilidade de utilização de automóvel, que passou a ser considerada como dano autônomo e indenizável [1].

 O estudo do dano pela privação do uso é recente no Brasil. São poucos os trabalhos que tentam esclarecer seus limites e possibilidades e não chegam a ter uma década. Nós tivemos a oportunidade de, em coautoria, publicarmos pesquisa sobre o tema [2].

Nos Tribunais brasileiros, da mesma forma, o reconhecimento do dano pela privação do uso é tímido. São raros os julgados abordando-o. Decisão pioneiríssima foi prolatada pela 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, nos autos n.º 0007516-39.2016.8.16.0083, de relatoria do Juiz Substituto de 2º Grau Luciano Carrasco Falavinha Souza. 

Como se depreende do processo, a proprietária (autora) de um caminhão deixou o veículo aos cuidados de terceiro (réu), para que este providenciasse a venda do bem, o que não aconteceu. A proprietária, então pediu a devolução veículo, que foi negada pelo terceiro. Diante disso, ela ajuizou ação pleiteando (i) a reintegração de posse do bem; (ii) o recebimento de compensação financeira pelo período de não utilização do veículo e (iii) reparação por eventuais avarias e depreciação deste. A sentença foi de improcedência. 

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná reformou o pronunciamento de piso. No que toca especificamente à retenção injusta do bem e a consequente privação do uso pela proprietária, fixou indenização no montante equivalente a 0,5% do valor de mercado do caminhão por mês. Para fundamentar a ocorrência do dano e a necessidade de reparação, o Tribunal valeu-se do nosso estudo sobre o dano da privação do uso. 

Acreditamos que a tendência seja a de que situações envolvendo a privação do uso de bens tornem-se cada vez mais comuns. Isso porque valorizamos cada vez mais o uso das coisas do que a propriedade mesma. Exemplo disso são os aplicativos de compartilhamento, como Uber e Airbnb, já tão populares. A valorização do uso, inevitavelmente, torna mais significativa sua privação. E o lesado não pode ficar à mingua de um ressarcimento.

Notas

[1] GOMES, Júlio. O dano pela privação do uso. Revista de Direito e Economia, XII, a. 1986, p. 178. 

[2] KROETZ, Maria Candida do Amaral; ROSA NETO, Adroaldo Agner; HAPNER, Paula Aranha et al. O dano pela privação do uso. In: FACHIN, Luiz Edson et al. (Coord.). Jurisprudência civil brasileira: métodos e problemas. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 299-317.